Por que a China – e por que agora?

O pêndulo da política da China historicamente oscila entre a restrição e o afrouxamento em um horizonte de tempo mais curto em comparação com os ciclos típicos dos EUA e Europa. Isto reflete o desejo do Partido Comunista Chinês (PCC) de controlar o cenário econômico e proporcionar um crescimento econômico consistente. Em vista de seus poderes de longo alcance, o governo chinês tem múltiplas alavancas além das tradicionais políticas monetárias e fiscais, o que significa que o mercado não deve subestimar a recente mudança de curso econômico e seu impacto no mercado de ações da China.

A 20a. reunião do Partido Comunista Chinês traça um plano de cinco anos para o desenvolvimento econômico e social da China

  • Estabilidade: No geral, o relatório do Congresso do Partido enfatizou a continuidade. A ausência de mudanças dramáticas é geralmente percebida como uma boa notícia.
  • Crescimento da classe média: O presidente Xi Jinping disse que o produto interno bruto (PIB) per capita subiria para o nível de um “país de desenvolvimento médio” em um “novo salto gigantesco” até 2035.1 Economistas avaliam que isso significaria dobrar o PIB e a renda per capita, com uma taxa média anual de crescimento do PIB de cerca de 5%.2
  • Evolução das entradas do PIB: O objetivo aqui parece ser fortalecer o papel fundamental do consumo no desenvolvimento econômico, e o papel fundamental do investimento na otimização da estrutura de oferta.
  • Suporte de mercado: Xi determinou metas para consolidar e desenvolver a economia do setor público, ao mesmo tempo em que encoraja, suporta e orienta a economia do setor não público.
  • Tecnologia e inovação: Xi enfatizou “revigorar a China por meio da ciência e da educação”.3

Prosperidade Comum

Prosperidade Comum é um slogan político do Partido Comunista Chinês, historicamente destinado a cobrir programas dedicados à redistribuição de riqueza e igualdade social. Este tem sido um importante ponto de discussão para a liderança atual do Partido Comunista Chinês. A política evoluiu de tradicionais conotações comunistas para uma política focada em impulsionar o PIB per capita em toda a China, elevando o país através de um crescimento equilibrado e sustentável. O ponto principal é que o sucesso da China depende da expansão do PIB, e o país precisa de novos motores de crescimento.

Motores de crescimento do PIB em evolução

PIB = consumo privado + gastos do governo + investimento privado + exportações líquidas

Os gastos do governo não podem durar para sempre; as exportações (em % do PIB) devem diminuir, pois os países não querem depender de forças externas; o investimento privado depende dos ciclos de negócios. Isso deixa o consumo privado como a principal peça que os governos dos mercados emergentes têm para controlar e impulsionar a expansão do PIB. Com cerca de 68% do crescimento do PIB proveniente do consumo privado, os EUA estabeleceram um modelo para uma economia sustentável.4 A China (onde o consumo privado responde por cerca de 38% do PIB) observou, aprendeu e começou a copiar esse modelo.5

O objetivo da política de Prosperidade Comum da China fornecer um claro exemplo desta mudança para o consumo privado como o principal motor de crescimento sustentável. A China passou por um crescimento econômico tremendo, mas que veio com um aumento na desigualdade social e na disparidade econômica. A Prosperidade Comum é um plano de desenvolvimento focado em promover o crescimento de longo prazo orientado para o mercado interno.

O governo chinês entende que deve elevar sua economia na cadeia de valor, criar empregos com salários mais altos, expandir sua classe média e melhorar o crescimento através do consumo. Isso começa com a transferência de alocações de capital das áreas de construção e da manufatura de baixo nível para produção de maior valor agregado.

Indo além do setor imobiliário, exportações e da manufatura simples

O setor imobiliário, exportações e manufatura simples representam os antigos motores de crescimento da China. O investimento imobiliário cresceu todos os anos a partir de 1999 (quando os registros começaram) até 2021, com o declínio de 10% ano após ano, com 2022 encerrando a sequência.6 As taxas de propriedade imobiliária aumentaram, situando-se em quase 90% em 2018, muito mais altas do que economias desenvolvidas como EUA, Japão e Coreia do Sul.7 Esse crescimento, entretanto, deve diminuir. Em termos de exportações, o mundo aparentemente está indo na direção do isolacionismo e protecionismo, o que significa que a China precisará depender menos do crescimento movido pelas exportações. Por fim, a manufatura também deve diminuir, conforme a china não pode servir de modo sustentável como a fonte de mão de obra para o restante do mundo.

Ciclo de crescimento virtuoso pode estar surgindo

Com setores da velha economia fornecendo menos perspectivas para o futuro do crescimento do PIB, o governo da China mudou seu foco para tecnologia e sustentabilidade. Investimentos nestas áreas devem ajudar a impulsionar o crescimento por si só, mas também devem impulsionar o aumento dos salários, o que resultará no aumento do consumo interno, o que cria um ciclo virtuoso. Este ciclo deve compensar a desaceleração das exportações, investimentos imobiliários, gastos do governo e da manufatura de baixo custo. Com a queda das taxas de natalidade, a China terá menos trabalhadores anuais entrando na força de trabalho a cada ano. O governo entende que um futuro sustentável exige uma mudança de quantidade para qualidade. Isto significa aumentar o valor e produtividade de forma similar ao que outros países fizeram ao longo do século 20. Nos próximos cinco anos, 50 milhões de graduados devem se juntar à força de trabalho na China, mais do que os EUA, Alemanha, Japão, Coreia e países do Sudeste Asiático juntos.8 O manual é conhecido por todos, e a força de trabalho cada vez mais qualificada da China está bem preparada para essa transição.

Educação e reformas governamentais preparadas para aumentar a classe média

Uma população altamente qualificada, mais um governo que investe em tecnologia de valor agregado deve resultar em empregos com salários mais altos e uma classe média em crescimento. O aumento dos níveis de urbanização também deve impulsionar a classe média do país. O rendimento disponível urbano é mais de 2,4 vezes superior ao nível rural.9 A taxa de urbanização da China é de cerca de 61%, em comparação com mais de 80% nos EUA, Reino Unido, Coreia do Sul e mais de 90% no Japão.10 Dito isso, a reforma do “Hukou” (um sistema de registro que permite que os registrados recebam vários benefícios do governo) representa outro motor para o consumo da classe média, já que deve incentivar os trabalhadores migrantes a se restabelecerem nas cidades. Facilitar o sistema poderia fornecer a cerca de 375 milhões de trabalhadores migrantes, um grupo maior do que a população dos EUA, acesso ao bem-estar social e aumentar sua propensão ao consumo.11 Os trabalhadores migrantes sem o registro “Hukou” têm uma taxa de poupança maior do que a dos trabalhadores urbanos – desta forma, estão gastando menos.12 Essa mudança pode ajudar a impulsionar a urbanização e o consumo no futuro.

Uma classe média maior deve impulsionar o consumo privado

Uma classe média que está em rápido crescimento se traduz em consumo, desempenhando um papel maior no crescimento econômico futuro. A classe média da China recentemente representa cerca de 400 milhões de pessoas, menos de um terço de sua população.13 Se o crescimento anual da renda fosse em média de 6,5%, o que parece plausível com um crescimento de 5% a 6% do PIB, nossos cálculos sugerem que a classe média poderia representar mais de 45% da população em 2035. Mudanças de políticas para reduzir a desigualdade também devem ajudar nessa tendência. Se a desigualdade diminuir e o Coeficiente de Gini da China passar do nível de 0,466 para 0,400 em 2021, a classe média poderá crescer para cerca de 50% da população.14 À medida que a classe média da China se expande, também deve crescer o consumo privado como porcentagem do PIB. Tal mudança no consumo privado provavelmente mudaria a equação do PIB e criaria um crescimento rentável e sustentável daqui para frente – semelhante ao cenário nos EUA.

Transformações estruturais são um bom presságio para o crescimento de longo prazo

O crescimento da China está evoluindo, mas este ainda é o cenário mais potente do mundo. A China é hoje o segundo país que mais gasta com pesquisa e desenvolvimento (P&D) no mundo, ficando atrás apenas dos EUA, e responde por mais de 20% dos gastos globais com P&D.15 A China planeja aumentar seus gastos com P&D em mais de 7% ao ano entre 2021 e 2025.16 O país lidera o ranking de registros de patentes globais desde 2019 e agora ocupa o 11º lugar no índice global de inovação.17 A parcela da população com diploma universitário já excedeu 15% em 2020, mais de 65% em relação a dez anos atrás, com muitos desses graduados nas áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática (STEM).18 O investimento não está estagnado, mas está se deslocando para a inovação em manufatura de ponta e projetos verdes. Se combinarmos isso com a classe média em rápida expansão, esperamos que a China sustente um crescimento de 5%-6% do PIB nos próximos anos. Estamos testemunhando uma população de mais de 1,4 bilhões de pessoas que estão passando da manufatura simples para a inovação, tecnologia e serviços. Esta poderosa transformação poderá impulsionar a economia chinesa nas gerações futuras.

Superando as recentes preocupações com o Covid

Covid zero: Em questão de semanas, a China recentemente abandonou suas políticas de Covid zero e reabriu a sua economia. O governo parece ter deixado para trás todos os sinais de sua política de Covid zero e permitiu que o vírus se espalhasse por todo o país. Embora o contágio tenha se espalhado mais rápido do que o esperado, é altamente provável que os casos de Covid tenham atingido o seu pico no feriado de Ano Novo. Em 8 de janeiro de 2023, a empresa de viagens Ctrip disse que os pedidos de vistos de turista para Cingapura através de seu site aumentaram mais de 30 vezes desde 27 de dezembro de 2022.19 A Autoridade de Turismo da Tailândia prevê que os visitantes chineses representem pelo menos 60% dos visitantes pré-Covid, em números deste ano.20

Setor imobiliário: A China relaxou sua política de “três linhas vermelhas” sobre a habitação, que impôs restrições mais rígidas ao setor imobiliário.21 O governo solicitou aos bancos para estenderem por um ano os prazos de pagamento dos empréstimos usados para construir moradias. Os governos regionais também foram solicitados a reduzir o piso das taxas de hipoteca. O governo também permitiu que as cidades reduzissem as taxas de hipoteca e se comprometeu a apoiar fortemente a demanda de primeira residência e apoiar razoavelmente a demanda de segunda residência, enquanto a demanda de terceira residência teoricamente, não deveria ser apoiada.

Regulamentação: Funcionários de alto escalão do governo declararam que a “retificação” de dois anos de grandes empresas de tecnologia foi basicamente concluída, e o que deve seguir agora é a “supervisão normalizada”, para que as empresas de tecnologia possam liderar o desenvolvimento, criar empregos e competir internacionalmente.22,23 No entanto, a regulamentação é necessariamente uma coisa ruim? As leis antimonopólio da China foram aprovadas pela primeira vez em 2007. Isso aconteceu mais de um século depois da Lei Sherman dos EUA de 1890, e bastante tempo depois das Leis Clayton e da Comissão Federal de Comércio de 1914. Alibaba, Tencent e Baidu foram fundadas em 1997, 1998 e 2000, respectivamente, bem antes desses regulamentos, o que lhes deu tempo suficiente para construir suas proteções. Muitas empresas em toda a China tiveram a possibilidade de operar por muitos anos de uma forma que não seria possível nos EUA ou na Europa. De certa forma, este processo regulatório se deu simplesmente pela China finalmente alcançar os padrões do mercado ocidental, o que deve ser visto como algo positivo.

Conclusão: As tendências de curto e longo prazo podem resultar em um poderoso salto

Possuindo indiscutivelmente a história estrutural mais forte, e representando mais de 33% do índice MSCI Emerging Markets, a China continua relevante demais para ser ignorada.24 Agora, a combinação de um impulso de curto prazo ao consumo por meio da reabertura e uma tendência favorável de longo prazo na forma de apoio governamental podem se traduzir em várias oportunidades de consumo doméstico em toda a China.