Onde se encontram os mercados emergentes na transição para veículos elétricos?

As mudanças climáticas representam um dos maiores desafios que o mundo enfrenta hoje. Aumento das temperaturas, aumento da frequência de eventos climáticos extremos, escassez de água e outras consequências adversas trouxeram preocupações ambientais para o primeiro plano, fazendo com que mais de setenta países se comprometessem com metas de emissões líquidas zero.1 Um dos principais recursos que países provavelmente utilizarão para alcançar estas metas de emissões é a transição de veículos que usam motores de combustão interna (MCIs) para veículos elétricos (VEs). Esta transição pode reduzir significativamente a pegada de carbono global, considerando que o setor de transportes atualmente responde por 22% das emissões globais.2 Neste relatório, analisamos a transição para os veículos elétricos, o papel descomunal que os mercados emergentes (MEs) têm na cadeia de suprimento de veículos elétricos, e como isto representa uma possível rota favorável e particular para a classe de ativos de mercados emergentes.

Principais conclusões

  • Conforme os países ao redor do mundo trabalham para alcançar emissões líquidas zero, a transição dos motores tradicionais de combustão interna para veículos elétricos provavelmente será essencial para atingir estas metas.
  • Em vista de seu grande papel na produção de commodities, os mercados emergentes estão em posição de serem os grandes beneficiários nesta transição para veículos elétricos.
  • A adoção de veículos elétricos em mercados emergentes provavelmente será lenta, mas esperamos ver algum progresso além da China.

Colocando em perspectiva a oportunidade de veículos elétricos

A inserção de veículos elétricos acelerou-se na última década, devido às melhorias tecnológicas, que aumentaram a capacidade de armazenamento das baterias, ao mesmo tempo em que reduziram amplamente o seu custo. Além da contínua inovação tecnológica, subsídios governamentais e construções de infraestrutura de carregamento de baterias vão provavelmente acelerar ainda mais a adoção de veículos elétricos. A penetração de veículos elétricos alcançou 9% em 2021, e analistas estimam que se permanecermos em nossas metas de emissões líquidas zero, os veículos elétricos teriam que alcançar uma porcentagem de mais de 60% até a metade da próxima década.3 O investimento cumulativo em veículos para atingir emissões líquidas zero até 2050 chegará a cerca de US$ 81,8 trilhões, enquanto os investimentos em estruturas de carregamento poderiam chegar a um total adicional de US$ 2,8 trilhões.4 Esta é claramente uma oportunidade imensa, mas como os mercados emergentes fazem parte desta equação?

Mercados emergentes fornecem matérias-primas essenciais para os veículos elétricos

O lítio é um dos principais insumos para as baterias de veículos elétricos, com cada bateria contendo aproximadamente nove quilos do elemento.5 A inserção provavelmente causará um aumento exponencial da demanda de lítio, com um crescimento esperado de 40 vezes até 2040.6 Ao longo do último ano, o fornecimento de lítio não conseguiu acompanhar a explosão da demanda, causando um pico nos preços de lítio para baterias em 2022, que, apesar das contínuas melhorias tecnológicas, resultaram no primeiro aumento de preço de baterias de carros elétricos desde 2010. Embora os preços de lítio tenham recuado desde o pico em novembro de 2022, eles ainda permanecem bastante acima dos níveis pré-pandemia.7

O fornecimento não acompanhou a demanda devido à falta de investimento, incerteza política, e o longo período de preparação de novos projetos. Isto é particularmente evidente na América Latina, onde se encontram aproximadamente 55% das reservas de lítio, apenas na região chamada de “Triângulo do Lítio”.8 Esta área de 400.000 quilômetros quadrados se espalha pelo Chile, Argentina e Bolívia por si só contribui com 35% do fornecimento global.9 Além disso, espera-se que esta porcentagem caia com o tempo, já que é pouco provável que novos projetos sejam aprovados no Chile, e as capacidades de produção da Bolívia ainda permanecem inadequadas. A China é o outro grande centro produtor de lítio para baterias, com uma produção atual que representa 15% do fornecimento global, e que está crescendo.10 Apesar de novos projetos em outros mercados, com a Austrália liderando estas iniciativas, as metas climáticas globais demandam mais investimentos.

O cobre é outro importante insumo para a transição de energia verde, com o veículo elétrico típico usando mais do que o dobro de cobre do que o veículo padrão com motor de combustão interna.11 O cobre também é um insumo essencial para a estações de carregamento de baterias, usinas de geração de energia eólica e solar, assim como outras tecnologias verdes. Como resultado de sua utilidade para a transição energética, a demanda verde deve crescer de 3% da demanda global de cobre em 2022 para aproximadamente 15% até 2030.12 Mercados emergentes são atualmente grandes produtores de cobre, constituindo mais de 70% do fornecimento global, enquanto Chile e Peru representam aproximadamente 25% e 10%, respectivamente.13 A perspectiva atual de fornecimento é limitada e pode permanecer sob pressão até 2030, de acordo com algumas estimativas.14 Como resultado, a dinâmica de suprimento/demanda pode resultar em preços maiores, gerando um impulso significativo para certos mercados emergentes.

Outros metais, tais como cobalto e níquel, também são insumos integrais para as baterias de veículos elétricos, especialmente para as versões mais sofisticadas que atualmente dominam os mercados globais. Como consequência, os contínuos subsídios para veículos elétricos, e regulações mais exigentes para as vendas de veículos com motor de combustão interna deverão gerar a demanda por estes tipos de baterias. Para o cobalto, o fornecimento é muito concentrado, com a República Democrática do Congo sendo responsável por dois terços da produção global.15 Esta concentração traz bastante risco para a cadeia de suprimentos de veículos elétricos, e nós esperamos ver investimentos crescentes nas jurisdições alternativas que possuem reservas com altos níveis de cobalto, como a Austrália. Em relação ao níquel, a concentração da produção não é uma questão grave, mas o fornecimento atual permanece restrito, e investimentos contínuos são necessários para atender o crescimento esperado da demanda futura de veículos elétricos.

China domina o restante da cadeia de suprimento de baterias

Além de produzir uma quantidade crescente de metais raros necessários para as tecnologias verdes, a China provavelmente se beneficiará com a transição para os veículos elétricos, pois ela possui um papel dominante na cadeia de suprimento. A China processa e refina cerca de 60% do lítio global e 80% do cobalto.16,17 Além disso, também possui um papel importante para a produção de cobre e níquel. Além disso, a China é por ampla margem líder de mercado na construção de baterias, representando 70% da produção global de cátodo e 85% da produção de ânodo.18 Esta posição dominante no mercado gerou certos alarmes nos Estados Unidos, através da Lei de Redução de Inflação, para aumentar a capacidade de produção doméstica de baterias. Embora a fatia de mercado da China ainda possa cair, sua posição é muito boa, pois muito provavelmente permanecerá como a principal player neste mercado de veículos elétricos que vem crescendo rapidamente. O ímpeto de reduzir a dependência que a cadeia de suprimento global de veículos elétricos tem da China representa uma oportunidade interessante de nearshoring para outros mercados emergentes, como o México. Na realidade, a Tesla recentemente anunciou sua intenção de construir umas de suas enormes fábricas no México, um investimento que poderia valer cerca de US$ 5 bilhões e criar até 6.000 empregos.19

Mercados emergentes provavelmente serão lentos na adoção, mas há a previsão de progresso

Embora os mercados emergentes sejam vitais para a transição global para veículos elétricos, a adoção na maioria destes mercados será atrasada, devido a inúmeros fatores. Mais notadamente, altos preços e elevados custos de financiamento afastam muitos clientes nestes mercados, enquanto seus governos geralmente não possuem a capacidade de investir em infraestrutura ou subsídios. A China é a principal exceção, com o país atualmente liderando a curva de adoção, graças ao investimento governamental, densidade populacional, e um forte impulso de produtores domésticos de veículos elétricos, tais como a BYD. Esta transição energética será um ponto chave para a China atingir sua meta de emissões líquidas zero até 2060, especialmente pelo fato de ser atualmente a maior produtora de emissões no mundo.20,21 Esperamos que a China permaneça à frente da curva, com sua ampla gama de veículos elétricos sendo consumidos por um segmento maior da população.

A adoção de veículos elétricos em muitos mercados emergentes irá provavelmente ficar para trás em comparação aos mercados desenvolvidos e a China. Entretanto, acreditamos que há ampla oportunidade para melhorias ambientais em certos mercados, que serão importantes para se alcançar as metas de emissão globais, já que os mercados emergentes fora da China constituem cerca de um terço das emissões globais de CO2.22

O foco no Brasil

O Brasil é um exemplo interessante de um país de mercado emergente que poderia passar por uma adoção de veículos elétricos a longo prazo, já que 84% de sua geração de energia é proveniente de hidrelétricas, enquanto quase a totalidade dos veículos leves do país têm motores movidos a etanol.23 Embora a transição para veículos elétricos seja menos viável a curto prazo, o setor privado já está conduzindo melhorias de eficiência ambiental no setor de transportes, e estas corporações parecem estar bem posicionadas para acelerar a eventual transição para veículos elétricos no Brasil.  Por exemplo, a empresa Vamos aluga veículos pesados novos, como caminhões e maquinário, seja para negócios ou para indivíduos no Brasil. A frota de caminhões no Brasil é velha em comparação a mercados similares, com o veículo comercial médio apresentando 20,7 anos de idade.24 Como resultado, a ineficiência da frota aumenta os custos com combustível e as emissões de CO2. As ofertas da Vamos podem auxiliar a resolver esta questão, substituindo caminhões mais velhos por versões mais novas, que podem produzir até 95% menos CO2, enquanto também oferece a seus clientes uma economia aproximada de 30% dos custos.25

Rumo é a maior operadora ferroviária no Brasil, com a maioria de seus negócios expostos ao rápido crescimento do setor de agronegócio no interior do país. Atualmente, o setor de transportes no Brasil é muito mais dependente de caminhões do que trens, resultando em ineficiências, custos mais altos e elevadas emissões de CO2. Como consequência, a Rumo está conduzindo inovações, ao ganhar fatia de mercado pertencente aos caminhões, aumentando sua capacidade através de investimentos em novos projetos, substituindo locomotivas antigas por motores mais eficientes, e implementando tecnologia para otimizar ainda mais suas operações.

Por fim, a Localiza é uma das maiores empresas de aluguel de carros e frotas no Brasil, com a empresa construindo agora seu negócio de aluguel individual de longo prazo. O modelo de negócios da Localiza permite que a empresa seja uma das principais forças por trás da renovação de veículos leves no Brasil. Uma vez que a demanda por veículos elétricos se acelera no país, esperamos ver a Localiza como uma das principais condutoras da transição para veículos elétricos no Brasil.

Conclusão: Expectativa de que os veículos elétricos conduzam o crescimento nos mercados emergentes

O compromisso com vários objetivos ambientais deve acelerar a demanda por veículos elétricos nos próximos anos. Os mercados emergentes podem se beneficiar com esta tendência, graças a sua natureza essencial dentro da cadeia de suprimentos global. Preços elevados de commodities verdes também podem ajudar a dar suporte a muitas posições fiscais em mercados emergentes, assim com atrair ainda mais investimentos em suas economias. Em conclusão, a adoção global de veículos elétricos deve permanecer como uma das principais forças de impulso de mercados emergentes daqui em diante, fornecendo oportunidades atraentes para os investidores.